Desenho de Didi Helene para o projeto 100 vezes Claúdia |
Regido
por cordas sujas de sangue, o nosso mundo jaz no maligno. Construímos
uma gramática particular da desigualdade com a qual forjamos em um
panorama capitalista tardio estilos de vida conformadores do ser e do
viver em caixas formadoras de (a)sujeitos.
Através
destas caixas, legitimamos o acesso desigual aos bens de direito de
toda humanidade. Tecemos fios que constituem divisões grupais
universais, as quais são responsáveis pela separação e união de
pessoas em estruturas hierarquizadoras, a partir de gostos, marcas,
atos e manifestações culturais diversas. Dividimos o mundo entre
aqueles que são “nós” e aqueles que são “eles”. A
dicotomia “Eu e Outros” nos governa.
E
nesta dança, a música que faz balançar as nossas ancas nos liga em
solidariedades segregadoras. Solidariedades que regem quais dos
transeuntes deste mundo merecem um nome e quais surgem proibidos de
usufruir de um. Constitui-se então a lei sob os corpos, lei que traz
duas medidas. Aos que tem nome, a possibilidade da vida visível, do
alcance, da vida que não só é vívida, mas é desfrutada; estes
andam em carros, tem família, são alvos, são príncipes, são
cegos. Aos outros, apenas a vida que é vivida e o corpo indigno de
sacrifício, porque já é matável e ao desconhecido pertencem como
consagração do mundo que jaz no maligno em profanação da imagem
de Deus; estes andam a pé ou de ônibus, estes sucumbem ao crime de
serem apenas sobreviventes, estes também são os marginais, são
negros, são perdidos.
Cláudia
e também Amarildo estão entre este grupo, eram anônimos, por
tempos foram anônimos, mas ganharam nomes e assim a suas mortes
tornaram-se consagração, dramatização midiática da miséria. Se
sente a morte daquele que morreu em uma unidade de polícia
pacificadora, sente-se a morte da mãe de quatro filhos e quatro
sobrinhos, que trabalhadora que era, sustentava a todos. Sacraliza-se
o sistema na profanação de vidas, anônimos se tornam mártires
manipuláveis e apaziguadores de ânimos.
Suas
figuras, como tantas outras, ao serem lembradas como fantasmas da
consagração ao mundo que jaz no maligno, sua morte, como tantas
outras, ao serem lembradas como um grito fúnebre para universalidade
da justiça e mudança no mundo, serão jogadas no limbo. Apenas a
dor importa, pois ela emociona e produz inércia, quando bem
manipulada.
E
evangelicalismo? Uma vergonha. Leva no nome o ímpeto de falar das
boas-novas, a pregação do reino e do amor do Rei Eterno, do
transformar dor em consolo e assim produzir mudança. Mas mantém-se
apático, febril e delirante, seduzido pela possibilidade de ter
nomes, de ser branco, de ser grande, de ser próspero, não deseja
ser perseguido, oprimido ou ajudador dos fantasmas que cercam os
castelos sociais e econômicos. Deus, ao se fazer carne, não veio
entre aqueles que usufruiriam de um nome, ele foi como Cláudia e
Amarildo, simples sobrevivente. Nesta condição, cumpriu sua missão,
mostrou-se como Deus, messias, redentor e escreveu seu nome na
história. Hoje, a igreja carrega seu legado, como noiva esperando
seu amado. Mas, o que fazemos com isso?
Insistimos
na loucura e deixamos a luz apagar, vemos a consagração dos
doentes, dos miseráveis, dos loucos, dos marginalizados ao mundo que
jaz no maligno e a estes negamos o pão da vida, deixamos de ir onde
o Cristo foi. O evangelho precisa renascer, como fome de justiça e
distribuição de misericórdia, pois em muitos espaços aparenta
estar morto.
Este
artigo não é para arrancar lágrimas dos olhos, mas para fazer
pensar. Deus delegou aos seus a missão de mostrar que existe uma
flexão para a palavra esperança, que ela não é estática, mas
pode ser conjugada em ação. Sendo assim, se você, cristão, ainda não
faz nada para que a profanação da imagem de Deus se atenue e a sua
luz resplandeça como saída ao inominados deste mundo, bem, esta é
a hora.
Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado. Tiago4:17
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