sexta-feira, 6 de março de 2015

Deixando o Fardo e Seguindo em Frente



Frequentemente, nós estamos procurando dar conta de todas as coisas, usamos de nossa inteligência e força para tocarmos a vida. Contudo, muitas vezes, não nos damos conta que nosso ímpeto em prol de resolver as coisas mais atrapalha do que ajuda. Relutamos em entender uma simples verdade: há situações impossíveis de resolução humana.

Em um mundo cada vez mais antropocêntrico, mas, ironicamente desvalorizante dos seres humanos, nós somos impelidos à perfeição. Se exige de cada homem e mulher todas as respostas para todas as perguntas, todas as soluções para todos os problemas. O fato é que não pode haver becos sem saídas, no entanto, eles existem aos montes e em nossa fraqueza, nós preferimos negá-los do que admiti-los.

A negação dos problemas impossíveis não faz deles dificuldades passíveis de soluções, na verdade, fazem com que nossas palavras se tornem murmúrios, lamentações jogadas ao vento, poderosos venenos que assolam nosso corpo e nossa mente. Somos deprimidos, fracos, indispostos e mau humorados porque tomamos sobre os nossos ombros responsabilidades que não são nossas. 

Moisés, desejoso de salvar os hebreus, não entendeu que esta responsabilidade não era sua e acabou por matar um egípcio, sendo perseguido por Faraó e ainda instigando o temor no coração dos hebreus. Como fica claro a passagem:

E olhou a uma e outra banda, e, vendo que ninguém ali havia, feriu o egípcio, e escondeu-o na areia. E tornou a sair no dia seguinte, e eis que dois varões hebreus contendiam; e disse ao injusto: porque feres o teu próximo? O qual disse: quem te tem posto a ti por maioral e juiz sobre nós? Pensas em matar-me como mataste o egípcio? Então temeu Moisés e disse: certamente este negócio foi descoberto. Ouvindo, pois, Faraó este caso procurou matar a Moisés... Êxodo 2. 11-15


Em variadas situações, movidos por compaixão ou qualquer outro sentimento, agimos como Moisés. Mas, esquecemos do limite de nossas forças e da grandiosidade de certos problemas, acabamos então por piorar a situação, pois produzimos medos, somos perseguidos e "matamos" pessoas. O peso, imposto pela nosso ato de resolução, é tão grande que nos consome e traz a vergonha, impelindo nosso espírito para o último lugar que gostaríamos de estar, o deserto.

Mas, o peso não é perpétuo. Mesmo um assassino covarde como foi Moisés, pode vir a ser protagonista de uma das mais lindas histórias de libertação. Uma das mais lindas porque não é apenas a libertação política de um povo ou a libertação de um homem acometido por uma crise subjetiva, mas porque é a história de libertação do jugo da "humanipotência", a ilusão de que podemos tudo. Moisés, humilhado, aprende que, através do seu relacionamento com Deus, ele ainda pode ser importante. O povo aprende que a verdadeira liberdade não está em ver-se livre do Egito, mas ver-se servo do Deus vivo. 

Ambos, homem e nação, entendem que para se seguir em frente, se deve abandonar o peso e reconhecer a dependência, a insuficiência da potência humana. Eis aqui a fórmula mágica para a tranquilidade: aquilo que não podemos fazer, Deus poderá. Foi assim, com a passagem pelo meio do mar, com a fome saciada pelo maná, com as águas amargas de Mara e tantas outras ocorrências. Quando o povo deixou o peso, seguiu em frente, mas quando ousou tomar sobre si a responsabilidade indevida, pereceu.

Portanto, nestes tempos difíceis, onde a independência é celebrada como uma divindade e a idolatria do Eu segue firme e forte pelos corredores da vida, que sejamos diferentes e possamos repetir a declaração de humildade e louvor proferida por Moisés:

O Senhor é a minha força e o meu cântico; ele me foi dado por salvação; este é o meu Deus; portanto, lhe farei uma habitação; ele é o Deus de meu pai; por isso, o exaltarei. 

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