Em
um artigo anterior, tentei demonstrar através de uma abordagem bem
simplória a razão pela qual escutar música secular não me parece
ser pecado. Nas próximas linhas, tentarei discutir como o fenômeno
da música gospel se relaciona com a indústria cultural e a
cultura de massa, se moldando da maneira como conhecemos.
O
relacionamento entre cultura de massa – ou cultura de consumo- e
música sacra se dá em um contexto capitalista e pós-moderno. Tal
relacionamento entre sagrado e profano, só é possível pela
dissolução dos paradigmas rígidos e das verdades universais, da
manifestação da secularização e da predominância da lógica
capitalista, perpetrada no ingrediente mais importante desta equação,
o mundo do consumo.
O
gospel como conhecemos surge desta manifestação. Antes
apenas um vocábulo indicativo de uma expressividade musical do
evangelicalismo avivalista norte- americano, o gospel torna-se uma
cultura, que encerra em seu movimento uma modernização da liturgia
de louvor, com consequente intervenção midiática e sacralização
do consumo (MENDONÇA, 2007).
Deste
modo, esta particular expressão de arte sacra se molda ao universal
decadente de um dos aspectos do capitalismo, a chamada indústria
cultural. A indústria cultural poderia ser definida como uma
ferramenta capaz de “moldar” arte em mercadoria, operando a
alienação da arte e sua transformação em uma coisa pasteurizada,
sem visão crítica. Neste sentido, arte se torna mercadoria, forma
torna-se molde e contemplação estética, consumo.
Quando
a música religiosa toma como modelo este referido aspecto, sua
manifestação não se demonstra diferente daquilo que é visto no
mundo cultural não litúrgico. Não se tem um aspecto de
sensibilidade estética do belo, o aspecto autoral se perde “nada
aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão
sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e
reconhecido. (HORKHEIMER;
ADORNO
2002)”
Neste
quadrado pseudoestético, sempre há mais do mesmo, operando-se
neste processo um empobrecimento da forma artística e do conteúdo
teológico, aquela sendo pautada cada vez mais por recursos
mercadológicos e o último revelando-se muito menos sagrado do que
profano, através de sua centralidade no indivíduo e suas dores,
vitórias, derrotas ou sonhos. Há nestas duas faces dois aspectos
da pós-modernidade que para muitos são
desapercebidos: a entronização do consumo em nosso cotidiano e a
subjetividade e egocentrismo de nossas práticas, inclusive aquelas
que são marcadamente comunitárias e transcendentes como é a
religião.
O
gospel
em
sua roupagem contemporânea é uma ferramenta de destruição da arte
sacra, na transversão do louvor artístico em produto de consumo,
ou
melhor, em cultura de consumo, ele é a expressão da profanação
capitalista do cristianismo. Como
todos os outros elementos da indústria cultural em
suas respectivas atuações,
o gospel
submete
a arte cristã a métodos de produção em
massa,
a
dinâmica do lucro e aceitação, produzindo alienação massificada
em prol de sua sobrevivência.
Esta
iniciativa ocorre em dois movimentos,
o primeiro ataca a arte e o segundo o conteúdo teológico das
músicas cristãs. No que toca a arte, como já falado,
transforma-se arte
sacra
em
produto sem gosto estético rebuscado; naquilo que toca
o
conteúdo teológico, há perda do ensino, do louvor a Deus e há
a
adoção de uma perspectiva de autoajuda, subjetivista, egocêntrica
e cheia de frases feitas.
Para
a retomada dos aspectos teológicos das canções em
um início de retorno ao louvor, necessário se faz o escândalo, não
o que o mundo conhece, mas aquele que é próprio de Cristo (Isaías
8:14/ Romanos 9:33/ 1 Coríntios 1:23),
que como Deus, se fez homem e assim nos salvou, uma
volta à
teologia cristocêntrica.
E
em relação a arte, concordo com Adorno e
Horkheimer (2002),
arte é ruptura, mesmo que sua transcendência dependa do estilo, ela
não é refém deste; ela -de certo modo- o rompe. A obra medíocre
se conforma com a imitação de
outras,
disfarçando-a de identidade, de estilo, a indústria cultural repete
e absolutiza a repetição em seu menosprezo a inteligência
artística, contudo, a verdadeira arte enaltece a autonomia e
demonstra plena possibilidade na materialidade estética da beleza
impossível na vida real.
Enfim...
temos um longo caminho.
Indústria
Cultural in: Wikipédia. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstria_cultural.
Acesso em 11/04/14.
HORKHEIMER,
Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como
mistificação de massas. Pp. 169 a 214. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria
da cultura de massa.
São Paulo: Paz e Terra, 2002. 364p.
MENDONÇA,
Joêzer Souza. Canção Gospel: Interações entre religião, música
e cultura pós-moderna. In: Acta Científica, 2007
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