quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Justiça e o Reino de Deus: considerações sobre um teologia da justiça social




O ideal de justiça é uma busca incessante da humanidade da qual nunca escaparemos. Justiça está ligada ao conceito de bem estar, de felicidade propriamente dita. Dentro da história das ideias, muitas são as discussões sobre este ideal, contudo, se alguma das diversas maneiras de pensar justiça tem moldado nosso pensamento, esta maneira é aquela que se encontra enraizada na revolução francesa e nas suas palavras de ordem: igualdade, fraternidade e liberdade. No entanto, aqui cabe uma pergunta ( ou seriam várias?): ainda é relevante este ideal de justiça que alimenta nossa maneira de entendê-la?

Sabemos que a revolução francesa foi fruto do iluminismo, que garantiu direitos civis e foi um dos elementos no palco da história que trouxeram aos indivíduos, das mais diversas camadas sociais, a consciência de sua ação sobre a história, formou-se uma nova ética que objetificou a garantia da igualdade e universalidade dos direitos aos sujeitos de bem. Neste contexto, a felicidade deveria ser repartida, vívida por todos, pois era um bem comum, assim como a justiça requisito fundamental para sua obtenção.

Porém, o decorrer da história demonstrou que o modelo advogado por este movimento tão inovador não deixou de cometer erros e até repetir aqueles que tanto condenava, pois, como diz o sábio bíblico, abaixo do céu não há nada novo, tudo se repete e tudo se resume a vaidade. Assim, mesmo com a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem em 1789, que tinha como intento assegurar a universalidade da integridade humana para todos independente do país, povo ou etnia, o projeto humano de uma sociedade do bem estar não escapa da desigualdade.

Loucos, mulheres, homossexuais, criminosos, pobres, negros, enfim, aqueles que estavam a margem e eram considerados como mazelas da sociedade nascida das ideias do iluminismo foram excluídos e com isso a generalidade das palavras igualdade, fraternidade e liberdade se tornaram uma bonita falácia. No tempo da luta por igualdades houve muita gente que não foi considerada dotada dos atributos comuns e naturais para serem consideradas como iguais, dignas da liberdade ou participantes da fraternidade, consequentemente, como humanos.

Infelizmente, esta falácia ainda nos sustenta, limitamos o valor daqueles que estão diante de nós a partir de critérios específicos. Eles são iguais a nós quando possuem os mesmos gostos, a mesma orientação sexual, a mesma religião; eles pertencem a nossa fraternidade quando reconhecemos o nosso mundo, o nosso jeito, no mundo e no jeito deles; e eles só podem usufruir e possuir da mesma liberdade, que nos é cara, se a expressarem da mesma forma, notadamente no ato de consumo, que é atualmente atestado de liberdade. Hoje, como os burgueses do século XVIII, mas de uma maneira diferente, vivemos professando igualdade universal, mas instantaneamente excluímos aqueles que não estão dentro de nossos critérios particulares.

Existe saída para a parente inevitável seleção de particularidades dentro do discurso de igualdade? Acredito que sim e as políticas de afirmação de minorias são um exemplo secularizado de que um novo caminho é possível: o caminho do reconhecimento das especificidades. Todavia, isso não basta, reconhecer o diferente e construir igualdade na diferença não é um trabalho frutífero para uma humanidade que segue longe dAquele que a criou para ser família e corpo. Sem Deus, as diferenças tratarão de estabelecer as vaidades, pois o coração do homem é depravado e assim o sonho da justiça sucumbirá ante o egoísmo.


Só em Cristo as especificidades tomam sentido de fato, pois se ajustam sem demérito ou mérito, pois redimidas, nascem em novo contexto, o contexto da interdependência, da santidade do corpo e do espírito, da liberdade da vida transformada onde cada salvo entende que não existe valor em si se não há valor no outro, pois todos em absoluto pecaram, mas quando unidos ao Cristo também todos usufruem cada um em sua particularidade, em sua trajetória, com seu dom, com seu papel a igualdade da multiforme graça de Deus.   

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