O
ideal de justiça é uma busca incessante da humanidade da qual nunca
escaparemos. Justiça está ligada ao conceito de bem estar, de
felicidade propriamente dita. Dentro da história das ideias, muitas
são as discussões sobre este ideal, contudo, se alguma das diversas
maneiras de pensar justiça tem moldado nosso pensamento, esta
maneira é aquela que se encontra enraizada na revolução francesa e
nas suas palavras de ordem: igualdade, fraternidade e liberdade. No
entanto, aqui cabe uma pergunta ( ou seriam várias?): ainda é
relevante este ideal de justiça que alimenta nossa maneira de
entendê-la?
Sabemos
que a revolução francesa foi fruto do iluminismo, que garantiu
direitos civis e foi um dos elementos no palco da história que
trouxeram aos indivíduos, das mais diversas camadas sociais, a
consciência de sua ação sobre a história, formou-se uma nova
ética que objetificou a garantia da igualdade e universalidade dos
direitos aos sujeitos de bem. Neste contexto, a felicidade deveria
ser repartida, vívida por todos, pois era um bem comum, assim como a
justiça requisito fundamental para sua obtenção.
Porém,
o decorrer da história demonstrou que o modelo advogado por este
movimento tão inovador não deixou de cometer erros e até repetir
aqueles que tanto condenava, pois, como diz o sábio bíblico, abaixo
do céu não há nada novo, tudo se repete e tudo se resume a
vaidade. Assim, mesmo com a proclamação da Declaração dos
Direitos do Homem em 1789, que tinha como intento assegurar a
universalidade da integridade humana para todos independente do país,
povo ou etnia, o projeto humano de uma sociedade do bem estar não
escapa da desigualdade.
Loucos,
mulheres, homossexuais, criminosos, pobres, negros, enfim, aqueles
que estavam a margem e eram considerados como mazelas da sociedade
nascida das ideias do iluminismo foram excluídos e com isso a
generalidade das palavras igualdade, fraternidade e liberdade se
tornaram uma bonita falácia. No tempo da luta por igualdades houve
muita gente que não foi considerada dotada dos atributos comuns e
naturais para serem consideradas como iguais, dignas da liberdade ou
participantes da fraternidade, consequentemente, como humanos.
Infelizmente,
esta falácia ainda nos sustenta, limitamos o valor daqueles que
estão diante de nós a partir de critérios específicos. Eles são
iguais a nós quando possuem os mesmos gostos, a mesma orientação
sexual, a mesma religião; eles pertencem a nossa fraternidade
quando reconhecemos o nosso mundo, o nosso jeito, no mundo e no jeito
deles; e eles só podem usufruir e possuir da mesma liberdade, que
nos é cara, se a expressarem da mesma forma, notadamente no ato de
consumo, que é atualmente atestado de liberdade. Hoje, como os
burgueses do século XVIII, mas de uma maneira diferente, vivemos
professando igualdade universal, mas instantaneamente excluímos
aqueles que não estão dentro de nossos critérios particulares.
Existe
saída para a parente inevitável seleção de particularidades
dentro do discurso de igualdade? Acredito que sim e as políticas de
afirmação de minorias são um exemplo secularizado de que um novo
caminho é possível: o caminho do reconhecimento das
especificidades. Todavia, isso não basta, reconhecer o diferente e
construir igualdade na diferença não é um trabalho frutífero para
uma humanidade que segue longe dAquele que a criou para ser família
e corpo. Sem Deus, as diferenças tratarão de estabelecer as
vaidades, pois o coração do homem é depravado e assim o sonho da
justiça sucumbirá ante o egoísmo.
Só
em Cristo as especificidades tomam sentido de fato, pois se ajustam
sem demérito ou mérito, pois redimidas, nascem em novo contexto, o
contexto da interdependência, da santidade do corpo e do espírito,
da liberdade da vida transformada onde cada salvo entende que não
existe valor em si se não há valor no outro, pois todos em absoluto
pecaram, mas quando unidos ao Cristo também todos usufruem cada um
em sua particularidade, em sua trajetória, com seu dom, com seu
papel a igualdade da multiforme graça de Deus.
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