Neste texto tenho como intuito discutir brevemente os entraves e
aberturas para o labor missionário na sociedade contemporânea
levando em consideração a multidimensionalidade da missão da
igreja constituída por quatro partes interdependentes – oração,
discipulado, educação e oferta e sua relação com um ethos que
permeia as relações da nossa sociedade e define o que chamamos de
indivíduo. Para isso dividiremos o texto em três
partes, onde na primeira discutirei um pouco a minha realidade local
como campo missionário, ou seja, a metrópole como palco da
evangelização cristã e suas dinâmicas
internas, bem como o ethos
que a permeia e o indivíduo que nela habita, aqui farei uso da ajuda
que pode propiciar a sociologia; na segunda parte trabalharei da
melhor forma a multidimensionalidade da missão e por fim tentarei
sintetizar em minha conclusão que os entraves e aberturas do campo
contemporâneo
são na verdade lados de uma mesma moeda, a
qual necessita ser abordada a partir de um posicionamento relevante
da igreja não apenas na realidade da missão, mas na sua própria
constituição como Corpo de Cristo.
O campo missionário: a metrópole
A revolução industrial nos legou
um novo modo de viver, a mudança na maneira pela qual os seres
humanos produzem os meios de sua subsistência
acabaram por transformar, juntamente com mudanças na cultura e
demais esferas sociais, toda a ordem social a qual a humanidade era
acostumada. As cidades multiplicaram-se, cresceram e tornaram-se o
que hoje são, ou seja, transformaram-se com o forjar dos anos,
embebecidas pelo espírito inaugurado na modernidade, nas
grandes metrópoles. Na contemporaneidade, a maioria dos seres
humanos vivem em áreas urbanas, as quais se apresentam muitas vezes
como um mosaico do mundo dotado de um ar cosmopolita.
Assim
como os aspectos mais amplos da sociedade mudaram, também se
modificaram o indivíduo e suas relações sociais. A modernidade
abalou a forma como as relações se organizaram dissolvendo
estruturas rígidas e concedendo mais liberdade ao indivíduo, neste
processo, o mundo tradicional concebido a partir de laços mais
próximos e quase que predeterminado a partir do nascimento se
extinguiu
e hoje na contemporaneidade o que se encontra são círculos sociais
( espaços de interação) que se intercruzam criando uma rede de
filiações para os indivíduos
caracterizada essencialmente
pela diferenças entre elas.
Dessa maneira o indivíduo se
configura como aquele que parece distanciar-se dos seus círculos
sociais mais próximos e se aproximar dos mais distantes na medida em
que estes aumentam; um ser humano cosmopolita que sustenta em sua
vida diversos palcos sociais como por exemplo a família, o trabalho,
o clube entre outros e que não necessariamente são
povoados pelos mesmos membros.
Inaugurado
a partir dessa nova configuração de ser humano e também da mudança
na realidade mais ampla está um ethos único,
o jeito moderno de ser caracterizado pela confiança na ciência,
secularismo, ação orientada para os fins e um modo de organização
do tempo que tem como principal fundamento sua objetividade através
de sua capitalização. Na contemporaneidade, esse ethos
tem aos poucos se metamorfoseado
e apresentado novas características que se somam ao legado da
modernidade ditando um paradigma social da vida cada vez mais
individualista.
Na contemporaneidade encontramos,
além das características citadas, um ethos
centrado em uma concepção da ordem “seja feliz” onde o
indivíduo encontra-se paradoxalmente entre a necessidade de ser
autêntico
e o compromisso da universalidade do bem-estar, calcada em um
presentismo que define o prazer, a satisfação de si e a realização
própria como prioridades inegociáveis e não só isso mas como
disponíveis ao alcance e submetidas ao imperativo do consumo. Neste
sentido, o que se constrói na atualidade é um entendimento
reificado de bem viver, ou seja, um entendimento de que se pode ir a
esquina e comprar aquilo que dará sentido a vida. Em suma, a
contemporaneidade testemunha a construção de projetos de vida
líquidos, transitórios, modais e descartáveis.
Tendo isso em mente, posso dizer
que aquilo que hoje percebo ser o alvo do labor missionário da
igreja é um indivíduo e uma sociedade que apresentam um caráter
plural, secularizado, multicultural, permeados com um modo de pensar
influenciado pelo sistema de pensamento da ciência,
hedonista, imediatista e sedento de sentido para vida, no entanto,
antes de apontarmos como este palco e estes atores que interagem e
que nos serve de cenário e
coprotagonistas
apresentam entraves e
aberturas para a missão da igreja, preciso discutir a
multidimensionalidade
da missão.
Multidimensionalidade
da Missão
A
igreja nasce como uma comunidade escatológica e missionária, ou
seja, uma comunidade que aponta para um horizonte existencial eterno
e que tem por força vital a representação e a proclamação da
realidade do Reino de Deus que é agora, mas ainda será consumada na
consumação dos séculos. Constitutiva da realidade vital da igreja
também é multidimensionalidade da atuação cristã no mundo, nesta
multidimensionalidade mais ampla encontra-se outra ligada ao contexto
missionário que é definida pela interdependência
de quatro aspectos importantes que são: a oração, o discipulado,
as ofertas e a educação.
Considerando
que o mandato a missão é uma ordenança do próprio Cristo conforme
suas palavras em Marcos 16.15-16 e que a realidade da missão
atualmente se configura como uma realidade de desorientação e
insegurança regada ao atomismo dos seres humanos e sua liquidez nas
mais diversas esferas sociais é crucial um entendimento sobre a
potencialidade desses quatro pontos e sua participação –
fundamental e fundamento- no trabalho missionário.
Destaco
ainda que é importante ter em mente que o horizonte missiológico da
igreja é maior do que estas dimensões, contudo, considero, como
também considera o Manual da Igreja do Nazareno, estes quatro
aspectos já citados como a “argamassa” congregacional que reúne
uma comunidade de fé em torno desta veia tão importante do
horizonte existencial da igreja invisível de Deus. Assim,
analisemos estes aspectos brevemente:
a)
Oração: Esta
é a esfera de atuação mais básica que a igreja pode se envolver e
tão essencial quanto qualquer outra. Neste aspecto, a oração do
Pai Nosso se demonstra um crucial e elementar ensino para o exercício
da integralidade da vivência
cristã e
portanto da missão.
Através dela, aprende-se que em nossas orações,
seja quais forem as temáticas,
devem
ser recheadas
sempre de compaixão, adoração, perdão e cuidado, que a missão é
um domínio do Reino e que este Reino é escatológico, cósmico,
transcendente, mas também uma realidade capaz de vir a estar
presente pelo
querigma.
b)
Discipulado: O
discipulado é amizade pedagógica do corpo místico de Cristo, se a
oração é o momento de encontro entre o cristão e Deus, o
discipulado é o momento de aprendizado mútuo onde o Espírito Santo
trabalha, portanto discipulado não deve ser confundido com
catequese, que é apenas parte deste processo mais amplo. O
discipulado é a realidade de apresentar aquele que está acostumado
com um sistema de prioridades descartáveis e de emoções efêmeras,
uma nova existência
pautada em uma vida conjugada a partir do “nós” e não do “eu”
onde se tem por finalidade não mais o descarte da natureza, da vida
e das pessoas, mas a valorização dessas coisas como fruto do amor
de um Deus que convida todos os seres humanos para a vida eterna.
c)
Educação: A
educação anda de mãos dadas com o discipulado e talvez seja uma
das características da igreja menos trabalhadas da maneira correta.
A Bíblia é clara ao dizer que o povo de Deus perece por não ter
conhecimento ( Oseias
4. 6) e que é fundamental a meditação e o ensino das Escrituras (
Deuteronômio
6. 4-9), através desses ensinamentos é perceptível que o estudo e
a piedade são parte de um mesmo todo que se não estiver presente
acabará por trazer como ingrediente da missão- e não só dela, mas
do todo da igreja- ou o fundamentalismo acéfalo ou o liberalismo
permissivo. Cultivar a educação, portanto, é cultivar a voz da
igreja e muni-la das ferramentas que a tornam proclamadora da
esperança aos desesperados do mundo, horizonte que é fundamental a
feitura da missão.
d)
Oferta: De
todos o horizonte mais prático da multidimensionalidade da missão e
que apesar disso não estar isento de crises. As ofertas para a
missão por mais que sejam o aspecto mais prático deste labor
apresenta de maneira monetizada a saúde espiritual de uma
congregação que não apenas luta espiritualmente e faz sua parte na
esfera local, mas também sustenta e propicia aqueles que se
prontificaram a estar em outras linhas de frente como agente do Reino
de Deus. A oferta revela-se portanto como um medidor da convicção
do cristão naquilo que ele acredita e é uma maneira de intervir na
realidade dos desesperados do mundo indiretamente através do combate
ao pecado da omissão.
Dito
isso, agora me focarei nesta parte final a articulação dessa
multidimensionalidade e as características do campo missionário que
se apresenta a mim e a tantos outros cristãos, a
realidade do indivíduo contemporâneo.
Entraves
e aberturas para o labor missionário na sociedade contemporânea:
o indivíduo e a
multidimensionalidade da missão
Como
se relaciona as quatro características citadas na sessão acima com
o perfil apresentado do indivíduo contemporâneo
já apresentado? O que se pode dizer e sustentar de primeira é que
essa relação é complexa, pois aquilo que se apresenta como entrave
também é abertura já que o mesmo mundo que hoje é permeado de uma
pluralidade de perspectivas tem por pré-requisito para isso a defesa
da liberdade de expressão em todos os níveis e o cruzamento dessas
perspectivas.
Portanto, há uma porta aberta ao
cristão e ao seu ponto de vista, entretanto esta mesma porta não se
apresenta como uma realidade ingênua,
mas crítica, motivada pela descrença e pela dúvida, capaz de
colocar a cosmovisão cristã em choque com outras em uma ponderação
marcada pelo relativismo. Dessa maneira, a fé precisa ser
apresentada de maneira criativa, atuante para além do discurso e do
proselitismo religioso, portanto,
mais do que nunca crer precisar estar aliado com sabedoria,
imaginação e inteligência.
Um exemplo claro dessa
conduta na evangelização em
um ambiente cosmopolita é dado por Paulo em Atenas quando discursa
utilizando do altar ao Deus desconhecido ( Atos 17. 22-34)
A
igreja precisa abraçar uma visão dupla de finalidades. A igreja é
povo de Deus e deve refletir sua ação a partir dos parâmetros
do Eterno e a igreja é instituição servidora do mundo sob o crivo
deste mesmo mundo, a saúde do Corpo de Cristo depende desse
entendimento. Nesta dupla
finalidade, a igreja
apresenta-se diante do Senhor como a comunidade da misericórdia aos
pecadores e se apresenta aos pecadores como a comunidade do amor e da
liberdade de um Deus que é justo, soberano, fiel e santo.
Se
isto estiver enraizado no ente da igreja, a sua missão no atual
contexto tomará ares revitalizados e se apresentará como um
exercício das características dinâmicas
do Reino de Deus, assim a igreja na união propiciada pela oração,
seja aquela feita em comunidade ou aquela que fazemos solitariamente,
será empática, intercessora e sensível; no discipulado entenderá
que a missão cristã é a construção de uma fraternidade
querigmática, pautada na pedagogia do Rabi da Galiléia a qual
também é matéria-prima de uma educação cristã capaz de
responder de maneira sistematizada as perguntas e as dúvidas de um
mundo cético mais sedento À crer e
por fim também se apresentará como comunidade ofertante tal qual a
viúva dos evangelhos, ou seja, ofertante de tudo que tem, seguindo
no momento que for necessário o exemplo do redentor, a doação da
própria vida.
Enfim, acredito que se nosso
coração estiver edificado sobre tais bases aqueles entraves que se
demonstram como abismos, intolerância a religiosidade cristã e
violência ideológica nas grandes cidades se não se dissolverem
serão atenuadas, pois mesmo a contragosto se tornarão palco do agir
dos remidos no seu apontamento À redenção.
BIBLIOGRAFIA
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MOLTMANN,
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VANDENBERGHE,
Frédéric. As Sociologias de George Simmel. Bauru: Edusc; Belém:
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