terça-feira, 11 de agosto de 2015

2 Princípios para Abordar a Arte





Olá, estamos nos preparando para o 2º Encontro Refletindo a Graça, que terá como tema a arte e sua relação com o cristianismo, por isso nesta volta das postagens do blog nós estamos tratando deste assunto. No primeiro post, lidamos com a ideia da Bíblia como um artefato artístico ( veja aqui) e hoje discutiremos um pouco como um cristão deve abordar o conteúdo artístico através de dois princípios: 1- Nossa identidade como criadores é oriunda da identidade de Deus como Criador e 2- A desconstrução da perniciosa divisão "sagrado" e " profano"

 Somos criadores porque Deus é Criador

Primeiramente, devemos deixar claro que abordar um conteúdo artístico que esteja fora do celeiro sacro para muitos é difícil, pois  o evangelicalismo brasileiro sofreu influência de uma perspectiva que entendia  o viver piedoso como uma existência isolada do mundo. A pureza espiritual estava ligada a ausência da experiência da vida no "mundo" e não na separação pela qualidade da vida vívida no "mundo". Assim é importante frisar que  desconstruir pensamentos como estes é sempre complicado, por isso o melhor é ter paciência e amor.

 No entanto, é válido deixar claro  que este isolacionismo criou, com o passar dos anos, um nicho de potenciais consumidores, e decorrente disso, muito do que se produz atualmente para o contexto religioso é na verdade uma pasteurização cultural que tem como principal objetivo fazer da fé um produto religioso, como já tratamos no artigo Indústria Cultural e Movimento Gospel.

Em decorrência disso, neste mundo de evangelicalismo de mercado, onde consumir arte é pecaminoso, o ambiente do sagrado e o ambiente do profano se mesclam em um único ambiente, o cenário de profanação, pois o pertencente a esfera do intocável pelas coisas do mundanismo- por exemplo, nossa adoração e os princípios de nossa fé-  que deveria inspirar respeito ao sagrado é convertido como celeiro para a promoção de uma lógica capitalista visadora do lucro.

Mas se um cristão parar para pensar, ele terá que admitir que a arte é fruto da ação criativa e em princípio criar é algo bom. Se continuar sua reflexão, chegará a conclusão que tudo aquilo que um ser humano possui é fruto da benevolência de Deus e que portanto a ação criativa é dádiva de Deus, que por sinal é o primeiro de todos os criadores, como fala Gêneses 1.1.

A única conclusão possível da reflexão é que a criatividade é um atributo de Deus, que por soberano amor resolveu compartilhar tal atributo conosco, dessa maneira, podemos dizer que envolver-se com atividades criativas é uma maneira de honrá-lo como autor de todas as coisas, pois se somos criadores é porque primeiramente Ele é. Assim voltando a ideia de que a arte é  fruto de uma ação criativa, produzi-la ou apreciá-la não fere a conduta cristã, mas a enaltece pois como bem fala Frank Schaeffer,

a criatividade, a apreciação da nossa criatividade, a criatividade das pessoas ao nosso redor- em suma, toda beleza que Deus colocou em nossa vida- é um dom gracioso e benéfico que vem do nosso Pai Celestial. ( 2008, p. 23)


A Desconstrução da Perniciosa Divisão "Sagrado" e "Profano"

É bem verdade que a religião pode ser definida através da dualidade entre o sagrado e o profano, inclusive este é o entendimento do sociólogo Durkheim, contudo esta dualidade apesar de bastante coerente e extremamente instrutiva não representa toda a realidade da religião, principalmente do cristianismo. Pois, apesar de podermos estabelecer elementos do sagrado e elementos do profano dentro da religiosidade cristã ( eu já fiz isso em outros artigos e inclusive neste) se aprofundarmos o assunto biblicamente a questão começa a se tornar bastante complexa, pois o cristianismo na sua essência rompe com a divisão destas duas dimensões da realidade, as unindo. 

Dentro do cristianismo não existe um estado substancial, ou seja, permanente do sagrado ou do profano, existe sim a obra da carne e a obra do Espírito e tais obras podem se manifestar no que poderia ser considerado sagrado ou profano, um exemplo bem prático disso é como o espaço de culto da minha igreja é usado. Durante as tardes da semana o espaço da igreja é usado por um projeto social que atende crianças ( uma atividade mundana, ou seja, da esfera do profano), contudo em algumas noites o mesmo espaço é usado para as atividades de culto e ensino da Palavra ( uma atividade sagra, ou seja, da esfera do sagrado). A divisão, neste caso, é circunstancial e transitória, e mesmo assim, apesar da primeira atividade estar em um nível "mundano" ela louva ao Senhor, porque se está cumprindo nela uma ação diacônica para com o mundo. 

Os próprios versos da Bíblia colaboram para este entendimento e deixam claro que o Senhor desconstruiu esta divisão, vejamos: (a) Deus, ao se fazer homem, se fez profano para que houvesse justiça em nós ( 2. Corintios 5. 21); (b) o véu do templo foi rasgado e o que era santo e intocável agora é acessível aqueles que não eram considerados  dignos ( Mateus 27. 51), (c) o que faz de algo impuro não é este algo por si só, mas aquilo que provém do nosso coração, como exemplifica as questões alimentares ( Romanos 14. 14;  Mateus 15.19). Por fim, a epístola de Pedro ainda deixa claro que não se trata de viver uma dualidade dentro da realidade - o sagrado e o profano, mas uma consciência santa diante de todas as coisas, sendo assim ,
 Como filhos da obediência, não permitais que o mundo vos amolde às paixões que tínheis outrora, quando vivias na ignorância.Porém, considerando a santidade daquele que vos convocou, tornai-vos, da mesma maneira, santos em todas as vossas atitudes.Porquanto, está escrito: “Sede santos, porque Eu Sou santo!” (1 Pedro 1. 14-16)

Com a arte não é diferente, fazer ou apreciar arte não está ligado ao seu caráter intrinsecamente sacro ou profano, mas a nossa conduta em relação a ela. Se somos artistas, aquilo que produzirmos seguirá não mais os moldes das nossas antigas paixões, ou seja, não  mais os pensamentos  de morte, adultério, fornicação, furto, falso testemunho e blasfêmia, mas aquilo que procede do Senhor e assim tudo que fizermos, mesmo que não esteja diretamente ligado ao contexto cúltico, do sagrado, - como é o caso do uso do espaço da igreja pelo projeto social- será em louvor ao Senhor, pois seremos santos em todas as nossas atitudes. 

A mesma lógica se apresentará na apreciação da arte, não nos sentiremos culpados ao ouvir uma boa música não cristã, assistir um filme ou ler um livro, pois entenderemos que o valor estético, artístico e o próprio ato criativo que cunhou aquela obra só foram possíveis porque o Criador concedeu ao artista uma faísca de sua chama criativa e que portanto, de um modo ou de outro, mesmo que não seja a intenção, aquela obra artística expressa e exalta ao Deus que governa nossas vidas e é produto de sua graça.

Sabendo pois que nada de bom e belo no mundo foge da influência do ser de Deus, que ao abordarmos a arte- seja na produção, seja na apreciação- possamos nos encher do sentimento da verdadeira santidade entendendo que por superabundar a graça de Deus em nós ( Romanos 5.12) tudo aquilo que fizermos necessariamente estará convertido e submetido a consciência cristã, independente se as circunstâncias forem mundanas ou sagradas.

REFERÊNCIAS

SCHAEFFER, Frank. Viciados em Mediocridade.  São Paulo: W4 Editora, 2008 

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