segunda-feira, 2 de maio de 2016

A Multidimensionalidade da Missão e a Sociedade ContemporÂnea




Neste texto tenho como intuito discutir brevemente os entraves e aberturas para o labor missionário na sociedade contemporânea levando em consideração a multidimensionalidade da missão da igreja constituída por quatro partes interdependentes – oração, discipulado, educação e oferta e sua relação com um ethos que permeia as relações da nossa sociedade e define o que chamamos de indivíduo. Para isso dividiremos o texto em três partes, onde na primeira discutirei um pouco a minha realidade local como campo missionário, ou seja, a metrópole como palco da evangelização cristã e suas dinâmicas internas, bem como o ethos que a permeia e o indivíduo que nela habita, aqui farei uso da ajuda que pode propiciar a sociologia; na segunda parte trabalharei da melhor forma a multidimensionalidade da missão e por fim tentarei sintetizar em minha conclusão que os entraves e aberturas do campo contemporâneo são na verdade lados de uma mesma moeda, a qual necessita ser abordada a partir de um posicionamento relevante da igreja não apenas na realidade da missão, mas na sua própria constituição como Corpo de Cristo.

O campo missionário: a metrópole

A revolução industrial nos legou um novo modo de viver, a mudança na maneira pela qual os seres humanos produzem os meios de sua subsistência acabaram por transformar, juntamente com mudanças na cultura e demais esferas sociais, toda a ordem social a qual a humanidade era acostumada. As cidades multiplicaram-se, cresceram e tornaram-se o que hoje são, ou seja, transformaram-se com o forjar dos anos, embebecidas pelo espírito inaugurado na modernidade, nas grandes metrópoles. Na contemporaneidade, a maioria dos seres humanos vivem em áreas urbanas, as quais se apresentam muitas vezes como um mosaico do mundo dotado de um ar cosmopolita.
Assim como os aspectos mais amplos da sociedade mudaram, também se modificaram o indivíduo e suas relações sociais. A modernidade abalou a forma como as relações se organizaram dissolvendo estruturas rígidas e concedendo mais liberdade ao indivíduo, neste processo, o mundo tradicional concebido a partir de laços mais próximos e quase que predeterminado a partir do nascimento se extinguiu e hoje na contemporaneidade o que se encontra são círculos sociais ( espaços de interação) que se intercruzam criando uma rede de filiações para os indivíduos caracterizada essencialmente pela diferenças entre elas.
Dessa maneira o indivíduo se configura como aquele que parece distanciar-se dos seus círculos sociais mais próximos e se aproximar dos mais distantes na medida em que estes aumentam; um ser humano cosmopolita que sustenta em sua vida diversos palcos sociais como por exemplo a família, o trabalho, o clube entre outros e que não necessariamente são povoados pelos mesmos membros.
Inaugurado a partir dessa nova configuração de ser humano e também da mudança na realidade mais ampla está um ethos único, o jeito moderno de ser caracterizado pela confiança na ciência, secularismo, ação orientada para os fins e um modo de organização do tempo que tem como principal fundamento sua objetividade através de sua capitalização. Na contemporaneidade, esse ethos tem aos poucos se metamorfoseado e apresentado novas características que se somam ao legado da modernidade ditando um paradigma social da vida cada vez mais individualista.
Na contemporaneidade encontramos, além das características citadas, um ethos centrado em uma concepção da ordem “seja feliz” onde o indivíduo encontra-se paradoxalmente entre a necessidade de ser autêntico e o compromisso da universalidade do bem-estar, calcada em um presentismo que define o prazer, a satisfação de si e a realização própria como prioridades inegociáveis e não só isso mas como disponíveis ao alcance e submetidas ao imperativo do consumo. Neste sentido, o que se constrói na atualidade é um entendimento reificado de bem viver, ou seja, um entendimento de que se pode ir a esquina e comprar aquilo que dará sentido a vida. Em suma, a contemporaneidade testemunha a construção de projetos de vida líquidos, transitórios, modais e descartáveis.
Tendo isso em mente, posso dizer que aquilo que hoje percebo ser o alvo do labor missionário da igreja é um indivíduo e uma sociedade que apresentam um caráter plural, secularizado, multicultural, permeados com um modo de pensar influenciado pelo sistema de pensamento da ciência, hedonista, imediatista e sedento de sentido para vida, no entanto, antes de apontarmos como este palco e estes atores que interagem e que nos serve de cenário e coprotagonistas apresentam entraves e aberturas para a missão da igreja, preciso discutir a multidimensionalidade da missão.

Multidimensionalidade da Missão

A igreja nasce como uma comunidade escatológica e missionária, ou seja, uma comunidade que aponta para um horizonte existencial eterno e que tem por força vital a representação e a proclamação da realidade do Reino de Deus que é agora, mas ainda será consumada na consumação dos séculos. Constitutiva da realidade vital da igreja também é multidimensionalidade da atuação cristã no mundo, nesta multidimensionalidade mais ampla encontra-se outra ligada ao contexto missionário que é definida pela interdependência de quatro aspectos importantes que são: a oração, o discipulado, as ofertas e a educação.
Considerando que o mandato a missão é uma ordenança do próprio Cristo conforme suas palavras em Marcos 16.15-16 e que a realidade da missão atualmente se configura como uma realidade de desorientação e insegurança regada ao atomismo dos seres humanos e sua liquidez nas mais diversas esferas sociais é crucial um entendimento sobre a potencialidade desses quatro pontos e sua participação – fundamental e fundamento- no trabalho missionário.
Destaco ainda que é importante ter em mente que o horizonte missiológico da igreja é maior do que estas dimensões, contudo, considero, como também considera o Manual da Igreja do Nazareno, estes quatro aspectos já citados como a “argamassa” congregacional que reúne uma comunidade de fé em torno desta veia tão importante do horizonte existencial da igreja invisível de Deus. Assim, analisemos estes aspectos brevemente:
a) Oração: Esta é a esfera de atuação mais básica que a igreja pode se envolver e tão essencial quanto qualquer outra. Neste aspecto, a oração do Pai Nosso se demonstra um crucial e elementar ensino para o exercício da integralidade da vivência cristã e portanto da missão. Através dela, aprende-se que em nossas orações, seja quais forem as temáticas, devem ser recheadas sempre de compaixão, adoração, perdão e cuidado, que a missão é um domínio do Reino e que este Reino é escatológico, cósmico, transcendente, mas também uma realidade capaz de vir a estar presente pelo querigma.
b) Discipulado: O discipulado é amizade pedagógica do corpo místico de Cristo, se a oração é o momento de encontro entre o cristão e Deus, o discipulado é o momento de aprendizado mútuo onde o Espírito Santo trabalha, portanto discipulado não deve ser confundido com catequese, que é apenas parte deste processo mais amplo. O discipulado é a realidade de apresentar aquele que está acostumado com um sistema de prioridades descartáveis e de emoções efêmeras, uma nova existência pautada em uma vida conjugada a partir do “nós” e não do “eu” onde se tem por finalidade não mais o descarte da natureza, da vida e das pessoas, mas a valorização dessas coisas como fruto do amor de um Deus que convida todos os seres humanos para a vida eterna.
c) Educação: A educação anda de mãos dadas com o discipulado e talvez seja uma das características da igreja menos trabalhadas da maneira correta. A Bíblia é clara ao dizer que o povo de Deus perece por não ter conhecimento ( Oseias 4. 6) e que é fundamental a meditação e o ensino das Escrituras ( Deuteronômio 6. 4-9), através desses ensinamentos é perceptível que o estudo e a piedade são parte de um mesmo todo que se não estiver presente acabará por trazer como ingrediente da missão- e não só dela, mas do todo da igreja- ou o fundamentalismo acéfalo ou o liberalismo permissivo. Cultivar a educação, portanto, é cultivar a voz da igreja e muni-la das ferramentas que a tornam proclamadora da esperança aos desesperados do mundo, horizonte que é fundamental a feitura da missão.
d) Oferta: De todos o horizonte mais prático da multidimensionalidade da missão e que apesar disso não estar isento de crises. As ofertas para a missão por mais que sejam o aspecto mais prático deste labor apresenta de maneira monetizada a saúde espiritual de uma congregação que não apenas luta espiritualmente e faz sua parte na esfera local, mas também sustenta e propicia aqueles que se prontificaram a estar em outras linhas de frente como agente do Reino de Deus. A oferta revela-se portanto como um medidor da convicção do cristão naquilo que ele acredita e é uma maneira de intervir na realidade dos desesperados do mundo indiretamente através do combate ao pecado da omissão.
Dito isso, agora me focarei nesta parte final a articulação dessa multidimensionalidade e as características do campo missionário que se apresenta a mim e a tantos outros cristãos, a realidade do indivíduo contemporâneo.


Entraves e aberturas para o labor missionário na sociedade contemporânea: o indivíduo e a multidimensionalidade da missão

Como se relaciona as quatro características citadas na sessão acima com o perfil apresentado do indivíduo contemporâneo já apresentado? O que se pode dizer e sustentar de primeira é que essa relação é complexa, pois aquilo que se apresenta como entrave também é abertura já que o mesmo mundo que hoje é permeado de uma pluralidade de perspectivas tem por pré-requisito para isso a defesa da liberdade de expressão em todos os níveis e o cruzamento dessas perspectivas.
Portanto, há uma porta aberta ao cristão e ao seu ponto de vista, entretanto esta mesma porta não se apresenta como uma realidade ingênua, mas crítica, motivada pela descrença e pela dúvida, capaz de colocar a cosmovisão cristã em choque com outras em uma ponderação marcada pelo relativismo. Dessa maneira, a fé precisa ser apresentada de maneira criativa, atuante para além do discurso e do proselitismo religioso, portanto, mais do que nunca crer precisar estar aliado com sabedoria, imaginação e inteligência. Um exemplo claro dessa conduta na evangelização em um ambiente cosmopolita é dado por Paulo em Atenas quando discursa utilizando do altar ao Deus desconhecido ( Atos 17. 22-34)
A igreja precisa abraçar uma visão dupla de finalidades. A igreja é povo de Deus e deve refletir sua ação a partir dos parâmetros do Eterno e a igreja é instituição servidora do mundo sob o crivo deste mesmo mundo, a saúde do Corpo de Cristo depende desse entendimento. Nesta dupla finalidade, a igreja apresenta-se diante do Senhor como a comunidade da misericórdia aos pecadores e se apresenta aos pecadores como a comunidade do amor e da liberdade de um Deus que é justo, soberano, fiel e santo.
Se isto estiver enraizado no ente da igreja, a sua missão no atual contexto tomará ares revitalizados e se apresentará como um exercício das características dinâmicas do Reino de Deus, assim a igreja na união propiciada pela oração, seja aquela feita em comunidade ou aquela que fazemos solitariamente, será empática, intercessora e sensível; no discipulado entenderá que a missão cristã é a construção de uma fraternidade querigmática, pautada na pedagogia do Rabi da Galiléia a qual também é matéria-prima de uma educação cristã capaz de responder de maneira sistematizada as perguntas e as dúvidas de um mundo cético mais sedento À crer e por fim também se apresentará como comunidade ofertante tal qual a viúva dos evangelhos, ou seja, ofertante de tudo que tem, seguindo no momento que for necessário o exemplo do redentor, a doação da própria vida.
Enfim, acredito que se nosso coração estiver edificado sobre tais bases aqueles entraves que se demonstram como abismos, intolerância a religiosidade cristã e violência ideológica nas grandes cidades se não se dissolverem serão atenuadas, pois mesmo a contragosto se tornarão palco do agir dos remidos no seu apontamento À redenção.




BIBLIOGRAFIA

 BAUMAN, Zygmunt. A Arte da Vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

DUARTE, Luiz Fernando Dias. Muitas Felicidades! Diferentes regimes do bem nas experiências de vida. In: FILHO, João Freire (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. Cap. 12, p. 239-255.

MOLTMANN, Jurgen. A Igreja no Poder do Espírito: uma contribuição À eclesiologia messiÂnica. Santo André: Academia Cristã, 2013

VANDENBERGHE, Frédéric. As Sociologias de George Simmel. Bauru: Edusc; Belém: EDUPFA, 2005.



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